quarta-feira, 20 de outubro de 2010

12. Prova de revezamento

        
A única diversão que possuia o militar naquela cidadezinha era os inconstantes namoricos que arranjava. Consta que, por força da escassez de recursos, esses namoricos eram bem raros e de qualidade bastante duvidosa.
Numa dessas empreitadas amorosas o militar arrumou uma namoradinha que mexeu muito com ele, não sei onde e como, mas que mexeu, mexeu; tanto é que o PM terminou o relacionamento com todas as outras. O que foi que ela fez ninguém sabe, apesar de ser presumível, porém o que ele, o PM, fez para ela terminar o namoro, todos da cidade ficaram sabendo.  
O pracinha, na sua vã inocência, acreditou que a garota entenderia o caráter puramente profissional da prisão do pai dela, efetuada por ele, por causa de uma pinga tomada num boteco e deixada na conta do Abreu, aquele mesmo Abreu sujeito do ditado: “se ele não pagar nem eu”.
A imparcialidade falou mais alto naquela sua ação. Prendeu o pai da própria namorada e ainda gritou para todos que quisessem ouvir:
_ Tá pensando o quê? É meu sogro, mas vai preso do mesmo jeito!
Depois do término do namoro o militar tentou se redimir deixando sua motocicleta à disposição do (ex)sogro para que pudesse ir trabalhar na sua rocinha a cinqüenta quilômetros da cidade. Usou todos os artifícios possíveis na tentativa de retomar o amor da moça, todavia ela se mostrava irredutível.
O pai da moça, por sua vez, estava doido pra voltar a ser sogro do respeitado soldado de polícia, por essa razão, aceitou a “motinha” e ainda levou dois litros de cachaça de brinde.
Coincidentemente e logo no primeiro dia da ida do velho pra roça, o PM organizou um ninho de amor em sua casa e, como uma última tentativa de reaver o coração da agora ex-namorada, a convidou para acompanhá-lo até lá.
A mocinha era tímida, de família humilde e respeitosa, apesar da cachaçada do pai. Vivia ainda nos moldes das donzelas do início do século. O polícia desconsiderou todas essas variáveis e, sem medo de levar o nonagésimo oitavo “não” da semana, resolveu arriscar: _“Vambora” lá em casa! Tenho de falar uma coisa contigo!
A menina, mesmo relutante, aceitou, afinal o coraçãozinho já estava pedindo a volta do namoro.
Antes de entrar o soldado deu uma olhadinha rápida para a rua para certificar que ninguém havia visto sua recatada namorada adentrar na cena do crime. Nesta olhada percebeu algo que o causou preocupação e o fez acelerar a entrada na casa. Fechou rapidamente a porta e as cortinas. A menina questionou qual era o motivo de tanto segredo já que, como ele próprio havia prometido, iam só conversar e ordenou a ele que abrisse a porta, pois ela não gostava daquele tipo de coisa. O polícia, utilizando-se de sua labiosa retórica, convenceu a garota explicando que o repentino enclausuramento era para abrilhantar ainda mais a surpresa que tinha preparado para ela. A bobinha acreditou e ficou quieta.
Fugindo ao antigo costume, forrou o velho colchonete no chão da cozinha, lá no fundo da casa. Geralmente ficavam deitados assistindo TV na sala, bem próximo a rua. A moça estranhou também esta mudança, só que ele insistiu na idéia furada da surpresa e ela o seguiu até lá.
Deitados no último cômodo da casa, com portas e janelas fechadas, luzes todas apagadas, iniciou-se a choradeira. Disse que tinha se arrependido de prender o pai dela tão somente por causa de uma cachacinha de nada, que estava sofrendo demais com a falta dela, que tinha chorado muito, que tinha perdido mais de dez quilos.
De repente, no meio daquela mentirada toda, eles ouviram alguém bater à porta. O polícia, demonstrando relativa tranqüilidade falou:
_Fica quietinha! Deve ser algum cachaceiro. (sem querer fazer alusão ao pai da moça.)
 O toc-toc continuava e os dois ficaram calados esperando o suposto intruso ir embora.
Para infelicidade do PM, não era intruso e sim uma intrusa, pois se ouvia uma voz, ao mesmo tempo brava e fina, dizer:
_ Abre logo! Eu sei que você está aí dentro seu cachorro.
O soldado gelou. A namoradinha, de um salto, levantou do colchonetezinho rasgado e voou no interruptor para acender a luz, o polícia rapidamente a segurou.
_Calma bem! Deve ser alguém que enganou de casa. – Explicou ele. _Fica quietinha, faz barulho não!
Os berros continuaram lá fora e agora, o tom de voz subia também dentro da casa:
_ Nem bem terminamos você já arrumou outra! Seu cachorro. Eu sabia!
_Fala baixo meu cheiro! Eu nem sei quem está lá fora. Não é comigo não.
Ele tentava de todo modo convencer a de dentro que não conhecia a que estava lá fora, e a de fora, de que não havia ninguém lá dentro. 
Contou da prisão do pai, da falta que sentiu da namorada, das lágrimas de crocodilo derramadas, só esqueceu de contar o minúsculo detalhe de que, nesse meio tempo, tinha arrumado outra.
 A atmosfera ficou carregada e por entre os berros da que estava lá dentro, só se ouvia os desesperados pedidos de silêncio do rapaz: _ Psiu, psiu! Calma minha princesinha!
_ Você ta pensando o quê? Não sou dessas não. Abra a porta que eu quero ir embora!
A cada frase, a agora novamente ex-namorada elevava o tom de voz a níveis quase audíveis para quem estivesse batendo à porta.
Vendo que a coisa estava ficando russa, o soldado teve a brilhante idéia de fingir que estava passando mal. Intentava dispersar a atenção da de dentro, até que a de fora fosse embora.
Caiu no chão, colocou a língua cascuda e rosada para fora e começou a se debater. Até babar, ele babou. A possibilidade de perder as duas namoradas que ele mais gostava no mesmo dia fez com que produzisse uma espuma branca na boca, como se fosse um cachorro louco. Para coroar sua encenação, executou uma extraordinária manobra com os olhos, girando o globo ocular para trás, expondo somente a parte branca. Aquele bichão tremendo, babando, com o olho todo revirado, parecia que um caboclo tinha encarnado nele.
A garota observou a cena e com a educação que é peculiar a uma mulher numa situação daquela, disse: _Tomara que morra! – E saiu acendendo todas as luzes no percurso até a porta.
Ele desvirou um olho e pode verificar que na menina dos olhos sim, ele conseguiu dar uma volta, porém na menina do velho bêbado, não. Com as costas da mão limpou a baba, correu para a porta e ainda pôde ver a que estava dentro, sair chorando e a que estava fora, entrar xingando.

2 comentários:

  1. Se essa história for verídica... rsrs

    ResponderExcluir
  2. vaca sacanagem... rs
    típico de homem que por sinal ainda veste uma farda aff... kk
    eu mereço !!!

    ResponderExcluir

Comente esse caso!