sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

14. Uma festa inesquecível - A hora da Verdade (continuação da 8)

Anos após o ocorrido o polícia contou-me o que de fato aconteceu naquele banheiro.
Segundo ele, só depois de ter arrancado o cara de dentro do mictório percebeu o motivo daquele cidadão estar lavando as mãos com a porta aberta. Por lá não havia trinco. Ou você lavava as mãos com a porta aberta ou ficava lá dentro segurando a porta, fingindo que estava lavando, depois saía enxugando as mãos nas calças.
Como lavar as mãos é um ato rotineiro que não dispensa tanto sigilo e privacidade pode se fazer de portas arreganhadas, porém o que ele (nosso desarranjado militar) queria fazer lá dentro, de forma alguma poderia ser exposto, não ali, numa festa de casamento.
Lembro que entrou como uma bala no banheiro, os fatos seguintes deram se na seguinte ordem: prostrou-se rapidamente em cima do trono, vulgarmente conhecido como vaso e esticou-se todo. O vaso era um pouco longe da porta, então ele sentou, esticou a perna direita e segurou a porta com o pé. As mãos se revezavam, enquanto uma apertava a barriga, a outra segurava a vasilha colocada ali, especialmente, para aparar as incessantes gotas que pingavam da caixinha da descarga na cabeça de quem assentar no sanitário.
O banheiro era daqueles antigos, diferente dos atuais no qual a água do vaso vem da encanação embutida, naquele banheiro a caixinha com água fica posicionada acima da cabeça do usuário, com uma cordinha dependurada para a descarga. 
Como a porta não tinha trinco, esticou a perna direita e a segurou para evitar que alguém a abrisse.  Para a perna esquerda, restou a incumbência de sustentar o corpo sobre a frágil louça. Nem teve tempo de cientificar se o vaso estava seco ou comprometedoramente molhado, apenas e sem muita cerimônia desabou em cima dele e se abriu como uma estrela do mar para segurar a porta, apertar a barriga, sustentar o corpo e aparar as gotículas.
Para agravar um pouco mais a situação do nobre colega, aquele era o único banheiro da casa, e em dia de festa com a comida na gordura que estava, imagine o tamanho da fila que se formou lá fora. Começaram a aglomerar algumas pessoas por ali, alguns outros já forçavam a porta com o objetivo de abri-la, nem imaginavam que lá dentro havia um intrépido varão, miliciano da instituição Tiradentes, membro da força auxiliar do Exército Brasileiro em extrema dificuldade.
Eu observava o povo se ajuntando, mas como só fiquei sabendo do problema enfrentado por ele lá dentro, no dia de hoje, nada fiz para impedir e deixei o povo empurrar a porta. O que me causou um pouco de estranheza foi o fato de o colega ter ficado vinte e sete minutos trancafiado lá, fora isto para mim estava tudo normal.
Ele gritava do interior do banheiro: "Tem gente, tem gente!" - Só que o alto som gerado pela parafernália instrumental dos músicos impedia que o pessoal ouvisse sua voz. Até que ele se viu obrigado a dar uma paradinha forçada na sua odisséia, enfiar a cara toda suada e vermelha na fresta entre a  porta e a parede e pedir que aguardassem mais um pouco, porque o bicho 'tava' pegando. Que o bicho estava pegando ele não falou não, é por minha conta mesmo.
Quando o polícia abriu a porta, no momento que foi pedir calma para os que forçavam a entrada, sem solicitar licença alguma, saiu de lá de dentro do banheiro, o subproduto gasoso daquilo que ele estava fabricando. A diferença de pressão forçou o ar que estava saturado e carregado no interior do banheiro a sair e atingir de frente os que estavam no lado de fora. Até hoje, acho que aquela foi a jogada mais genial que meu colega realizou em toda sua carreira: sem proferir uma única palavra, espantou todos que estavam na porta do banheiro, nem precisou gastar saliva.
Finalizado o serviço e já fisicamente recomposto foi tentar finalizar com chaves de ouro, a epopéia. Para se livrar da cria que acabara de parir, puxou a cordinha da descarga com a intenção de mandar para outra dimensão o fruto de seu árduo trabalho. Puxou, puxou e nada daquilo ir embora. As gotículas que encheram a vasilha fizeram falta agora, tinha pouca água na caixinha para conduzir o produto para baixo. E agora a caixinha estava toda vazia. E vazia mesmo só estava a caixinha, pois a louça estava cheia e bem cheia mesmo.
O praça velho, engenhosamente, ficou de frente para o vaso, segurou a mangueirinha do chuveiro lá em cima na abertura da caixinha da descarga para enchê-la mais rápido, tapou com o dedo da outra mão o buraco que deixava a água escapar da caixa e de forma nada anatômica, lançou a perna para trás para segurar a porta. Uma mão na mangueira, outra no buraquinho, um pé na porta e a perna direita desta vez sustentava o corpo no chão.
Quando a caixinha encheu, ele abaixou o olhar, encarou a cria, abriu um sorriso zangado e por entre os dentes murmurou: "Agora vamos ver porque você não desce" - E puxou novamente a cordinha. O negócio rodopiava, rodopiava, ele acompanhava com os olhos, chegou até a ficar tonto, mas o produto não foi, não desceu, contrariando mais uma vez a vontade do próprio dono. Parecia que ele – o polícia – tinha comido isopor.
O treco era bem menos denso que a água, assim, insistentemente não afundava. O nobre colega não cogitava a possibilidade de encher a caixinha para uma terceira tentativa, tinha perdido muito tempo nas primeiras e as pernas já estavam doendo.
Teve então, a brilhante idéia de entreabrir a porta, para a segunda leva de escape de ar espantar os futuros usuários do banheiro, fechar a tampa do vaso e sair rapidamente.
Foi o que fez, abandou o fruto de si e fugiu sem olhar para trás.
Depois de tudo passado eu disse a ele que não carecia ser tão detalhista no relato do fato, só que ele insistia em me contar minúcias da triste aventura. Ainda por cima, levantava a bermuda e mostrava a perna direita, afirmando ser ela mais grossa que a esquerda pela força que colocou em segurar a porta naquele dia.
 Hoje entendo o motivo de tanta pressa em deixar a comemoração e ir direto pra casa. Quem deve ter sofrido foram os donos da residência, com um banheiro com o ar todo contaminado. Bem feito, também, quem mandou não usar óleo vegetal para fazer a comida!

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

13. Banheiro Portátil

Quando chegamos ao local do ocorrido, deparamos com o cidadão como numa cena de filme do Rambo: com uma peixeira na mão e um facão na outra, urrava como se estivesse possesso por um espírito de porco do mato. No momento em que a viatura se aproximou, o espírito abandonou aquele corpo, levando consigo a valentia do fulano, e o que se viu foi um facão voar para um lado da rua e a faca para o outro.
A abordagem foi vigorosa. Diante da tentativa frustrada de fuga, nos o agarramos firmemente e o colocamos de bruços em cima do capô da viatura para procedermos à uma busca pessoal. Ao correr as mãos pelas vestes do valentão, aprontamos uma frenética lista de questionamentos que o desorientou:
_ Quer ir para cadeia?
_ Para que você quer isso (referindo as armas)?
_ Era para matar alguém?
_ Tem mais armas aí?
Antes de responder uma, já lançávamos outra pergunta no intuito de dispersar seus pensamentos. Toda a ação, contando da abordagem, mais a desabalada “perguntação” e a busca pessoal, não durou mais que trinta segundos, foi tudo muito rápido. Esta era a intenção, evitar que ele tivesse oportunidade de pensar em tentar reagir. Porém, mesmo neste curto espaço de tempo, o inesperado pôde ocorrer.
O militar que procedia a busca - que no caso não era eu - passou, repentinamente das perguntas  para o esbravejo. Sem motivo aparente algum, começou a ser rude com o abordado, proferindo-lhe palavras asperas. O outro militar que fazia a segurança (este sim era eu) nada entendia. O que haveria levado o colega ter uma mudança tão brusca de comportamento. Passar do vigoroso para o rude num nervossismo nunca antes visto. Essa dúvida levou o que estava na segurança a questionar o colega:
_ Que foi? Tá ficando doido?
O militar exaltado, sem saber se respondeia ou continuava a xingar, ergueu o braço com a mão espalmada e dedos abertos em direção ao colega e enquanto segurava o abordado pelo colarinho disse:
            _ Esse cara urinou na minha mão.
            Uma frase um tanto quanto esquisita de se ouvir, principalmente, para quem não está por dentro da situação. Imagine você, dentro de sua casa; assistindo o programa Silvio Santos e ouve lá da rua: “Ele mijou em minha mão”. Certamente não pensaria que o fato aconteceu em decorrência de uma busca pessoal, em que o policial se ver obrigado a correr a mão nas vestes do suspeito, até mesmo, em locais bem próximos a partes muito íntimas do corpo. É o famoso osso do ofício.
Mas não pensem que ele tocou onde estão vislumbrando. Apalpou a parte interna da coxa; é que o líquido, seguindo a escalada do medo que o homem sentia, era tão abundante que escorreu perna abaixo.
O militar menos prejudicado nesta história (no caso, eu) por mais que tentasse não conseguia parar de rir, foi o dueto mais estranho e sem sinfonia já visto: um maldizendo e o outro rindo.
O mais prejudicado arrumou um saco plástico velho no chão, forrou o banco da viatura, enfiou o preso lá dentro, colocou cento e vinte na estradinha de terra e só parou na delegacia. Lá,  com semblante sério, disse ao delegado: _ Doutor, deixa esse cara preso aí pra nós no mínimo uns oitenta anos! Tem jeito?
O delegado sorriu, entrou para sala dele com o autor e, de lá de dentro, só se ouvia altas gargalhadas. Sei não, me parece que o camarada não se contentou apenas em urinar na mão do polícia e teve, além de tudo, que espalhar o caso para todo mundo. Ainda bem que depois de solto, com bem menos de oitenta anos por sinal, mudou-se para outra cidade, pois o polícia queria vingança. Não sei se ia urinar na mão do ex-preso, mas que ele queria vingar ah, isso ele queria com todas suas forças.
Foi um dia para se apagar da memória, inclusive peço para que quando terminarem de ler este texto, arranque esta página, embebeda-a em álcool e ponha fogo, para que não exista nenhum registro acerca do fato. É que ele me pediu segredo e eu, fiel que sou, estou cumprindo com o prometido.