sexta-feira, 15 de outubro de 2010

7. Cinqüenta contra dois

Pode até parecer mentira, mas cinquenta foi o número aproximado de partidários políticos que nós (eu e mais um) enfrentamos num destes destacamentos PM da vida. Ocorreu mais ou menos assim:
Quando estávamos naquele patrulhamento rotineiro, alguns populares, até então calmos, aproximaram da viatura e solicitaram a presença da PM, numa praça de um povoado a seis quilômetros da sede do município. Em princípio, dois carros de facções políticas contrárias competiam com altíssimo som e músicas que se insultavam mutuamente. Duas pequenas multidões aglomeravam-se aos pés dos imensos veículos e, a exemplo das músicas, trocavam xingamentos e insultos. Temendo uma briga generalizada, pedimos aos dois motoristas que afastassem os carros, prevenindo assim uma rixa.
A ação preventiva funcionou, porém, única e exclusivamente para os politiqueiros, não para nós, os policiais. Quem poderia imaginar que o povão eufórico e embriagado, na iminência de perder a política, se chatearia por simplesmente ter quer abaixar o volume de seu idolatrado carro de som? Quem ia adivinhar que se enraiveceriam por terem sido obrigados a mudar o tipo de música, a ficarem longe da área de bar onde mais gostavam de comemorar, tudo isso em pleno dia em que treze de seus correligionários políticos haviam sido presos pela PM.
Os veículos afastaram-se como ordenado, mas o povo se aglutinou, desta vez em cima de nós, os militares. O povão exigia que os carros de som voltassem ao lugar de origem. Nós, os PMs, não aceitamos a suave proposta.
Uma meia dúzia de três ou quatro começou a incitar os demais em autos brados: “Vamos quebrar  a polícia! Vamo botar o pé!”.
Pensamentos mirabolantes penetraram nas nossas mentes: “Será que esse povo tem coragem? Será?”
Com plena convicção posso afirmar que em instante algum sentimos medo. Em que lugar do mundo, sessenta pessoas exaltadas e furiosas, com pedaços de pau de palanque nas mãos, proferindo xingamentos, colocaria medo em dois militares, com mais de dois anos de efetivo serviço, fortemente armados com seus revolveres ponto trinta e oito, do ano da borracha, com seis cartuchos cada um. Nunca!
Sem demonstrar temor, pois é impossível demonstrar algo que não se tem, fomos firmes em nossa ordem. A manutenção de nosso posicionamento inflamou sobremaneira os ânimos.
Relativamente prontos para a desigual batalha, achegamos aos menos exaltados e numa última tentativa de apaziguar os espíritos, pedimos para que levassem uma palavra de paz aos demais. Levaram, só que trouxeram uma desanimadora notícia:
_ Se eu fosse vocês, caia fora daqui, o povo tá doido de raiva!
Eu nunca vi um povo tão sem coração. Enquanto um ou dois dialogavam, setenta gritava; um acalmava; oitenta inflamava o povão.
Vimos então, que mesmo a contragosto, aquela era a hora de recuar. Enquanto tomávamos rumo à viatura, alguns começaram a nos seguir, uns noventa eu acho. Ao contrário do que muitos alegam, não chegamos a correr, aceleramos o passo é bem verdade, caminhamos ligeiro, mas reafirmo com relativo grau de certeza que não chegamos a correr. Uma pessoa normal atinge a velocidade de quinze , dezesseis quilômetros por hora, numa pista de atletismo, descansada e bem alimentada. Nós, naquele dia, nem chegamos a beirar esta marca, se muito, atingimos treze ou quatorze e meio.
O importante é que ninguém nos alcançou, pois se alcançassem, aí eles iam ver o que era bom pra a tosse.




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