domingo, 7 de agosto de 2011

20. Mitsubish - L 200


Lutei cinco anos de minha carreira para trabalhar em uma viatura decente e que realmente atendesse as necessidades das más conservadas estradas do extremo norte mineiro. Quando menos esperava, chegou  uma caminhonete: cabine dupla, quarto por quatro, novinha em folha era tão chique que nem o nome eu sabia pronunciar direito (É esse aí do título).

Se já rodávamos muito pelas estradas de chão com a viaturinha pequena, que dirá agora com essa que dava até trabalho de embarcar devido à altura das rodas.

Para estrearmos aquela máquina resolvemos dar uma patrulhada lá pelas bandas de um povoado chamado Bem Querer. Um conselheiro tutelar, o mais tímido e calado deles, nos acompanhou.

Nem bem chegamos ao distante e empoeirado povoado, duas moças nos abordaram e disseram que em um local a duas léguas dali residia um rapaz que constantemente ameaçava a mais velha delas e oferecia lhe dinheiro em troca de favores sexuais. A moça, muito religiosa, indignada com os indecorosos convites nos pediu auxílio.

Rumamos para o local onde morava o rapaz. No trajeto, logo que embarcou na viatura, a mais nova das moças disse que estava sentido dor de cabeça, mas a despeito de sua enfermidade ela conversava como se fosse o último dia de sua vida. Falava sobre os mais diversos assuntos: comida, festas, melhor dia de cortar o cabelo conforme as fases da lua. Até de futebol ela falou, por sorte torcia pelo cruzeiro se não eu não suportaria tanto falatório. A nós, como não restava oportunidade, só cabia ouvir.

O conselheiro tutelar, espremido que estava no canto da porta, torcia o nariz para a tagarelice da menina, pelo retrovisor eu percebia sua cara de reprovação. Fomos e voltamos nesse ritmo alucinante até que ela parou de falar repentinamente. Ficou seria e deitou no colo da irmã. Permaneceu quieta por cerca de vinte segundos - o que parecia muito para ela - aí levantou um pouco o pescoço, olhou para o conselheiro tutelar e para infelicidade de todos nós e principalmente dele, soltou um longo jato de vômito nas pernas e nos pés do rapaz. Ele gritou bravo:

_O Que é isso menina? – Pela primeira vez o conselheiro havia dito algo.

_Canjica! – Ela de modo inocente respondeu. - Comi demais ontem.

Em mim suscitou uma dúvida tremenda: preocupava-me com a saúde da garota ou quebrava seu pescoço por ter vomitado canjica na 'minha' viatura novinha. O conselheiro tutelar parece ter captado meus pensamentos e tendeu para a segunda alternativa:

_ Menina! Como você faz um negócio desses comigo? E agora como vou fazer para ir embora com essa roupa toda suja? - Questionou o conselheiro.

A moça muito simples pouco se importou com a bronca, limpou a boca, afastou o pé da poça que se formou no assoalho do carro e reiniciou o falatório.

Se eu fosse um pouco mais perverso, colocaria em prática a segunda opção enumerada três parágrafos atrás, mas como sou calmo, apenas fiz com que ela limpasse a sujeira todinha.

Terminado o serviço e com a viatura, em termos, ‘limpa’ (desconsiderando o cheiro de azedo remanescente e da roupa molhada do conselheiro) deixamos as moças na casa delas e já estávamos retornando para dar uma lavada melhor no carro quando a mãe das garotas agradecida por termos ajudado suas filhas, porém completamente alheia ao vômito da mais nova, agiu como reza os bons costumes do povo acolhedor da zona rural e nos convidou:

_ Entra pra casa meu filho vem comer um canjiquinha!

_ Eu não quero não dona só se o conselheiro aceitar. – Sugeriu o polícia que estava comigo.

O conselheiro a essa altura enchia as bochechas e colocava a mão na boca, como que se fosse repetir a ação da moça. Não se sabe ao certo se ele sentiu nojo da canjica daquela senhora ou da canjica expelida pela moça, que no final era a mesma. O que se sabia ao certo é que o azedo do cheiro, somado ao convite da mãe da garota embrulhou o estômago do rapaz. Só que desta vez deu tempo de evitar uma segunda tragédia.

_ Saia do carro, sai fora, sai logo! - Pedi gentilmente a ele antes que sujasse minha viatura novinha de novo.

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