segunda-feira, 11 de outubro de 2010

4. A abrupta castração do cachorro

        A escassez de vários recursos no destacamento, essencialmente os femininos, se é que me entende! Fizeram-me buscar alternativas. Não essa alternativa maldosa e pervertida que muitos de vocês vislumbraram, refiro-me ao refúgio que busquei nos livros, podem estar certos que também não eram livros de conteúdo pecaminosos - como sei que alguns pensaram. Resolvi começar por um de adestramento de cães, era o que tinha lá no quartel, então não me recriminem por isso.
Com a leitura, tornei-me um admirador dos animas. Percebi que eram seres dotados de inteligência e sentimentos - tal como alguns de nós -, e eram, acima de tudo, fervorosamente fiéis – diferente de muito de nós.    
Esse apreço que desenvolvi pelos animais, principalmente pelos cães, fez com que eu ficasse sensível à causa deles.
Como estava já a quatro dias naquele pequeno destacamento começava a observar o mundo sobre uma outra ótica, meio retorcida, mas não deixaria de ser nova. Respeitava os bichos e cumpria o código florestal, pelo menos o capítulo que acautelava os animais.  
Naquele fatídico dia um senhor visivelmente nervoso, ofegante e com olhos rasos d´água me procura. O suor gotejava de seu queixo como um alambique funcionando no máximo de sua produção. Ele sabia meu nome, talvez não a pronúncia dele, mas me disse com muito respeito, utilizando sua linguagem simples e coloquial, plenamente aceitável e característico por lá, o que havia acontecido:
            _ Ô seu Predera! - Seria Pedreira, meu nome de guerra, mas tudo bem. - Um hômi pegô meu cachurrim, que tava ingatado na cadela da muié dele e cortô o pinto do bichim no talo.
Em princípio, a detalhada narrativa me causou até uma ambigüidade de interpretação, mas com um pouco de calma pude entender que o cachorro, que era dele, havia sido violentamente submetido a uma cirurgia de mudança forçada de sexo, quando estava sexualmente acoplado a uma cadela, que ao que parece, pertencia à esposa do malfeitor.
            _ Onde esse homem mora? – Perguntei já bastante sensibilizado.
            _ Na rua do compu.
            _ Compu?
            _ É! Lá no compu de bola.
            _ Ah tá, Campo!        
   _ Eu guardei o pinto do bichim, o sinhô quer vê?
   _ Naaaaãooooooo! Carece não! Acredito na sua palavra.
            A minha pouca experiência profissional com ocorrências daquela natureza, somada ao tremendo susto que se toma ao recerber tão inusitada notícia, fez suscitar uma variedade enorme de questionamentos, dos quais os mais importantes seriam:
Qual natureza atribuir a um boletim de ocorrência de castração de cachorro: Lesão corporal, tentativa de homicídio, arrancamento de órgão?
Quem seria a vítima no caso, o cachorro ou seu dono?
Que nome atribuir ao órgão arrancado quando fosse relatar no histórico do BO. 
Deveria prestar primeiros socorros ao mutilado? O que fazer com o produto da mutilação?
Eu mesmo deveria aplicar uma pena de natureza semelhante ao malfeitor, para ele largar mão de ser ruim?
         A despeito das dificuldades apresentadas efetuei o registro do BO, e como de praxe, encaminhei todas as peças ao delegado. Quando digo todas são todas mesmo, inclusive a peça arrancada que, embora muito importante para o inquérito, provavelmente o delegado não faria questão de ver (eu disse provavelmente...!?).    
Não sei como ficou o psicológico daquele animal, perder o símbolo máximo de sua masculinidade em plena atividade não deve ter sido em nada fácil para o bicho, porém o que realmente importa é que ele ficou vivo, uma vida meio sem sentido dali para frente é bem verdade. Considerando que ele é um ser de sexo masculino, sua diversão, a partir daquele dia, ficaria restrita a correr atrás de pneus de carros e só.   

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