sábado, 16 de outubro de 2010

9. O general

Ele sempre foi fã dos nomes dados às graduações e patentes militares. Arrepiava só de escutar: capitão, tenente, coronel. Sua outra fixação era por animais, especialmente pelos cães.
Na páscoa, em vez de ganhar um ovo, ganhou um cãozinho labrador de presente. Marronzinho, das orelhas compridas, bem peludinho, uma beleza de cachorro, só faltava um nome bonito para completar o pacote.
Na sua cabeça, batizar o animal com um nome de uma patente militar, seria a coisa mais linda do mundo. Até o animal ia gostar, sobretudo, se fosse uma alta patente. Os titulares da patente, esses sim, de certo não ia gostar muito. 
Vamos combinar que não soaria nada bem, ele que é cabo de polícia, durante a visita de um sargento, se incomodar com o latido do cão e vim a expressar em voz alta: “Cale a boca Sargento!”, sendo este o nome do cão. O sargento, o homem, ficaria no mínimo com uma tremenda dúvida. “Será que esse cara está falando comigo?”.
Pior ainda seria se o dono do cachorro estivesse com raiva do superior hierárquico e notando a aproximação do chefe, berrasse, para todo mundo ouvir: _Sargento morto de fome! Vem logo comer sua ração! - A desculpa de estar falando com o animal dificilmente colaria.    
Pensando nestes possíveis erros de interpretação, que poderiam custar caro não só para o cachorro, resolveu batizar o bicho de General. Uma patente inexistente na Polícia Militar, exclusiva apenas aos oficiais do exército. A remota possibilidade de encontrar algum general genuíno pela frente o encorajou a ratificar o nome bicho.
O militar trabalhava num pequeno destacamento do interior de minas, raramente um dos seus chefes visitava a cidade, quando muito, um tenente passava para uma breve inspeção. Então, sempre que ia para o quartel, levava o próprio general. Era General pra cá, General pra lá, e ninguém se incomodava.
Em meados de outubro, de um ano em que a seca castigou mais do que é de costume, o exército brasileiro se viu obrigado a oferecer sua ajuda humanitária para as vítimas da seca na pequena cidade do cachorro General. Naqueles dias, a falta de água havia sido tão severa que o comandante da operação no norte de minas, se viu obrigado a deslocar até aquele árido município, a infeliz coincidência disso tudo residia no fato de o comandante ser um general, um general de verdade ainda por cima.
Como reza o bom costume entre as corporações militares, o comandante foi fazer uma pequena visita aos milicianos da instituição coirmã, no quartel da Polícia Militar da cidade.
O cabo, que nem mesmo sabia que o exército estava cumprindo missão em sua cidade, apesar de também sentir a falta d´água - há três dias não tomava banho –, avistou lá do interior do quartel aquela farda verde cheia de divisas e insígnias caminhar em sua direção. Esfregou bem os olhos e pensou que estava vendo miragem, daquelas típicas dos desertos escaldantes, como de fato estava o sol naqueles dias.
No interior do quartel, o cabo que estava se abanando com uma folha de papel, abanando ficou. Os botões da gandola estavam abertos até o terceiro, expondo aquele peito cheio de cabelos brancos e chamuscados pelo sol. Desabotoados também estavam os botões da parte de baixo da camisa, folgando a roupa para permitir a passagem da imensa barriga. A careca suava, suava e ele nada fazia para certificar se aquela farda caminhando em sua direção era miragem ou não. O cachorro por sua vez, choramingava incomodado com calor e para amolar os dentes roía as botas do seu dono.
O cabo, que também não sabia da presença de seu melhor amigo debaixo da mesa, despertou do cochilo quando o afiado dente do cão atingiu seu calcanhar, fazendo-o soltar um estridente grito: _ Ai, General viado! – Era costume de o graduado referir-se ao cachorro com o nome de outros animais, principalmente quando era mordido.
O general do exército, já estava quase dentro do quartel e, a essa altura, nem cogitou a possibilidade daquele xingamento não ser endereçado a ele. O homem não ficou bom não. Apressou o passo e perguntou espumando por entre os bigodes:
_ O que você disse, cabo?
As forças que o cabo havia economizado o dia todo naquela cadeira serviram para dar impulso à brusca levantada que deu. Ficou sem saber o que dizer para o superior. Achava que o general – o de divisão e não o de canil – pensaria que a história do nome do bicho era esfarrapadas desculpas. Como ele ia provar que General era o nome do cachorro se nem mesmo certidão de nascimento ele tinha.
O general começou a falar e esbravejar. O cabo, tentando desesperadamente subir o relaxado zíper da calça, ouvia tudo e se justificava ao mesmo tempo. O cachorro assistia a cena e pensando que o outro general estava brigando com seu dono, então pôr-se a latir.
O general xingava, o cabo justificava e cachorro latia.
_ Ô senhor general! General é o nome do bichim.
_ Por acaso você é louco, cabo? Como você atribui uma patente destas a um animal?
_ Foi ideia de minha mulher, eu nem queria.
O cachorrinho, sentindo a gravidade da repreensão sofrida por seu dono, avançou nas canelas do outro general, mordeu a barra da calça e começou a rosnar e dar fortes puxões com a cabeça.
O comandante, com receio dos dentes do cão alcançarem sua perna, abaixou e segurou com força o pescoço do cachorro. O general puxava de um lado, o cachorro mordia do outro, e o cabo gritava: "Solta General! Solta ele! Solta!"
O combatente largou do pescoço do cachorro, deixou que ele rasgasse sua calça, apontou o dedo em riste para o cabo e disse: "Você está preso!"
O cabo, até hoje, jura que o pedido de soltura era para o cachorro largar das calças do comandante e não estava nem um pouco preocupado se o general – o de divisão – ia ou não esgoelar seu estimado cão. 
    




2 comentários:

  1. Fala a verdade Josdag, as outras eu sei q são fatos verídicos, más essa nego veio, tá difícil de acreditar. Essa você inventou. Parabens.
    Sgt Marques

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  2. Caro amigo, essa foi muito boa. Parabens.

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