sexta-feira, 15 de outubro de 2010

8. Uma festa inesquecível

            Sabe aquela festa que guardamos para sempre na memória, pelo dia agradável que nos proporcionou, por fatos marcantes que nela ocorreu, por pessoas queridas que revimos, enfim, pelos bons momentos que marcam e povoam nossas mentes por um bom tempo.
            Por outro lado, há também aquelas festas marcantes, porém, pelo sentido totalmente inverso. São as que se toma um tombo no meio do povão, derrama-se algo em alguém, sai trocando as pernas ou chamando papagaio de minha loira, além de outras centenas de decepcionantes situações que podem ocorrer no cotidiano festivo.
            Numa dessas festas de casamento da vida, naquele mesmo destacamento de sempre, um praça novo de serviço, desacostumado em ver tanta fartura de comida, entrou firme nos petiscos. Convicto de que o mundo acabaria naquele dia, comeu o que pôde e o que coube. Carne de porco, de gado, de galinha, carne de veado. Tudo quanto era bicho estava ali representado naquele banquete. Ele não perdeu a oportunidade de arrancar no mínimo uma lasquinha de cada finado indivíduo do reino animal espichado ali na mesa.
            Ao alerta do companheiro de farda, que inutilmente tentava por meio da verbalização acabar com aquela comilança desenfreada, desdenhosamente respondia:
            "É só pra ‘guentar` o serviço. Besta é você, come pouco mais tarde tá com fome." 
            Quando vi a gordura escorrendo pelos cantos da boca do praça, lembrei da jaca e da enorme batata doce com repolho que ele havia comido mais cedo, e já previ que aquela mistura não ia dar em nada que prestasse.
            Duas horas festa adentro ele tentava visivelmente disfarçar o mal-estar, entretanto as apressadas gotículas de suor que corria em seu rosto e as bruscas abaixadas para apertar a barriga denotavam que aquela combinação explosiva já estava preste a fazer efeito. Lá pelas tantas, queixou-se de uma "dorzinha" no estômago:
            __ É! Minha barriga está começando a doer, acho que foi o refrigerante quente que tomei.
            Reunindo todas as suas forças tentava manter a postura. Morria, mas não ia admitir a sua ganância alimentar e sua falta de humildade em ouvir os conselhos do colega mais moderno de serviço.
            Aquele incômodo aumentava cada vez mais. Daí segurou até onde pôde, numa certa altura, porém, a força interior superou a força que tentava frear o negócio, e ele então se viu coagido pelo próprio intestino a sair em desabalada carreira, por entre os participantes da festa. Eu, na qualidade de um mero e inocente espectador, pensei que talvez ele teria visto alguma briga e fiquei pronto para reaprendê-lo:
            _Ou “praça veio”! Quando você vir alguma confusão fale comigo antes de sair correndo.
           Ele corria igual a um desesperado, e eu corria atrás, mesmo sem ver briga alguma. Só entendi o que de fato aquela correria toda significava quando quase arrebentou a porta do banheiro, arrancou o cara que estava no recinto mijatório e trancafiou-se lá. Aí sim eu consegui perceber o que se passava e do lado de fora pude dizer:
            __“Come mais!”.
            Terminado os cem metros rasos com barreira, saiu do banheiro com ódio mortal estampado no rosto, ódio de mim. O que teria eu, pobre alma cristã, feito para magoar meu colega, até onde me recordava, única coisa que fiz foi tentar alertá-lo e dizer "come mais". Será que ela já imaginava que eu ia espalhar essa malsucedida história. Jamais!  
            Dali para cá fechou a cara, apressou-se em agradecer o dono da casa, despediu-se segurando na mão do promotor da festa, pegou na mão do noivo, da noiva e recolheu o policiamento antes da hora programada. Não falou um 'a' comigo no trajeto todo de volta.
            Sabemos que é dos erros alheios que tiramos lição, daquele dia em diante fico com fome, mas não encaro aquele gordureiro de modo algum. Quanto ao “praça veio”, ele tomou raiva de carne, não quer nem saber. Vez em quando, ainda lembro do ocorrido e só para vê-lo espernear de raiva digo:
            __ “come mais!”. 

Um comentário:

  1. Tenho certeza que o protagonista dessa história não foi eu, mas gostaria de saber quem é, por isso me manda um e-mail.

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