terça-feira, 5 de abril de 2011

16. Fodinha

Fomos até aquele mesmo povoado cheio de problemas como sempre. Desta vez tínhamos uma ocorrência ainda mais complicada para ser solucionada, envolvendo a Dona Geralda, sua filha e um espírito que assombrava as duas. Mesmo sem acreditar muito em espíritos chamamos um pastor só para garantir.

O religioso era, como deve de ser até hoje, um homem muito recatado e carregado de boa energia espiritual.

Chegamos à casa da Dona Geralda. Ela nos contou que sempre ouve uma voz, parecida com a do falecido marido dela, convidando-a para partir para o além: “Eu vim te buscar, vamos comigo”.

_Parece meu marido, mas eu tenho certeza que não é. Se fosse ele eu ia, mas não é.

Seu medo na realidade, não era da morte, do espírito, ou de coisas do além, ela tinha medo de ir para um lugar errado com a pessoa errada. Não bastasse a quantidade de fraudes que já existem ainda me aparece mais esta - fraude espiritual - é o fim dos tempos mesmo.

Por mais que a entidade espiritual insistisse, ela nunca aceitou o convite, pelo contrário, tomou a corajosa atitude de chamar a polícia para solucionar a questão. Dona Geralda pensava que nós iríamos prender a alma do defunto, só pode! O que mais ela poderia pretender solicitando o auxílio da polícia.

Nossa arma naquele dia deixaria de ser o revolver para se tornar as orações e, possivelmente, quem comandaria a operação não seria mais o sargento e sim, o pastor.

Demos as mãos formando um círculo, seguindo as orientações do religioso. A filha da Dona Geralda, que também ouvia o chamado daquele espírito fajuto que tentava se passar por seu pai, segurou no meu braço. Apesar de eu ter oferecido a mão, ela preferiu segurar com firmeza exagerada no meu punho.

Começamos a orar, quando vi que começou a sair lágrimas dos olhos da moça eu fechei o meu. A cada palavra do pastor ela derrama lágrimas e apertava mais o meu braço. Eu, sem perceber, espremia a mão do religioso trazendo conseqüências para sua voz, deixando-a cada vez mais fina. Num dado momento, o pastor disse: “Vamos orar só com o coração agora!”. Quando todos se calaram, a menina folgou um pouco o meu braço, mas foi só recomeçar as orações em voz alta para ela me espremer novamente.

O aperto havia cortado o fornecimento de sangue para os dedos e minha mão ficou branca e formigante, mesmo assim eu não me senti encorajado o bastante para abrir os olhos.

Percebi que a moça começava a tremer e a balançar freneticamente meu braço. Resolvi olhar o que se passava. Pela fresta de, no máximo, um milímetro que pude produzir entre minha pálpebra superior e a inferior consegui ver a menina girar a cabeça numa velocidade alucinante. Ela abria e fechada os olhos umas duzentas vezes por segundo, piscar era o que eu estava tentando há mais de dez minutos e não conseguia e ela fazia com impressionamte facilidade..

Quanto mais ela movia a cabeça, mais alto o pastor orava, mais forte ela apertava meu punho e mais próximo de um desmaio eu ficava. Minha mão estava desfalecida, mesmo assim não tentei puxar o braço, preferi não arriscar, vai que aquele 'trem' cisma de encarnar em mim, fiquei quieto.

A Dona Geralda tremia no mesmo ritmo. Nunca tinha visto nada parecido. Senti um pouco de medo, um pouquinho só, mas minha fé cristã inabalável enxertou coragem nos meus membros inferiores e me manteve de pé, está certo que o fato de eu estar escorado na parede ajudava e muito em minha sustentação.

Quinze ou vinte minutos depois do início dos trabalhos e após o espírito ter se manifestado em quase todo mundo exceto em mim. Apressei em irmos embora, nunca mais voltaríamos àquela casa, até porque ali não necessitava de serviço policial algum, precisa sim de serviço de ordem espiritual, e nestes casos eu não me meteria mais.

Embarcarmos na viatura. No exato instante que íamos deixar o local uma gata de pelagem negra atravessou na frente do veículo e não se prontificou a sair de lá de modo algum. Eu acelerava, buzinava, gritava e nada. De macha ré era difícil partir devido aos buracos na rua. Á frente e avante era a única possibilidade de fuga, mas a gata preta insistia em permanecer ali, parada, olhando para nós, com os pelos das costas todo arrepiados. Ela emitia aquele som agudo e rasgado, característico de felinos acuados. Meu companheiro até deu uma sugestão: “Sargento se quiser eu mato esta praga”.

Eu achei melhor não, matar a bichana para quê?

Para o pastor aquela cena não lhe causava estranheza, estava acostumado:

_É a manifestação do mal, que ficou ofendido com a nossa visita. O mal se manifesta até nos animais inferiores quando está furioso.

O mal já não é bom de natureza, imaginem quando está furioso. Já que ali na nossa frente estava o mal e não uma pobre gatinha, mudei radicalmente de idéia.

_Então mata, mata logo, mata essa praga!

Agora sabendo que o que estava ali não era mais uma simples gatinha e sim o mal, meu patrulheiro, aquele mesmo que a dez segundos ofereceu-se para sacrificar a bichana, respondeu:

_Agora eu não mato mais não, mato não.

Mesmo sem saber muito bem o que era o mal ele resolveu não arriscar, repensou sua intenção e teve a brilhante idéia de chamar a Dona da casa para tirar aquele bicho dali. A Dona Geralda quando viu que o animal estava obstruindo nossa passagem e atrasando nossa viagem, lá da janela, ainda um pouco tonta por conta do exorcismo que havia sofrido, gritou:

_Sai de baixo do carro Fodinha. Sai Fodinha!

O pastor, que até então passara ileso por todos aqueles contratempos, desta vez ficou branco. O nome da gata o deixou sem fôlego e com a mão no peito pronunciou bem alto:

_Tá amarrado em nome do senhor Jesus! Misericórdia.

Por mais que Dona Geralda gritasse a “Fodinha” não saia da frente da viatura.

_Entra pra dentro Fodinha! Sai do meio da rua Fodinha. – Ela continuava.

O pastor orava e passava mal simultaneamente.

Curioso, perguntei para a Dona porque o nome da gata era aquele. Ela explicou que o nome foi herdado da mãe dela (da gata). “A mãe se chamava fada então ela é a fadinha”.

A dona Geralda tinha um problema na língua, só depois de falar bem devagar o nome da bichana pôde ser perfeitamente entendido. Era Fadinha, diminutivo de fada. Ainda bem que foi desfeito o mal entendido em tempo hábil, se ela pronunciasse o nome da gata novamente, como foi pronunciado da primeira vez, eu penso que o pastor não suportaria.

4 comentários:

  1. kkkkkkkkkkkkkkk fraude espiritual foi demais...
    a nao, essa historia foi otima...

    ResponderExcluir
  2. Muito boa esta "estoria", trabalho em Dst.PM e passo por cada uma tambem, más nada comparado a fraude espiritual,kkkkkkk.

    ResponderExcluir
  3. kkkkkkkk
    É desse jeito, mto boa irmao.
    A populaçao qdo esta esta em "pergigo", lembra de Deus e chama a policia. Qdo esta a "salvo", esquece de Deus e xinga a policia.

    è mto dificil.
    kkkkkkkkkk

    ResponderExcluir
  4. Muito boa, típica de Dst, trabalho em Dst. desde quando formei em 1995 e isso é a pura realidade.
    Parabéns irmão.

    ResponderExcluir

Comente esse caso!